Eu, minha bicicleta e um castelo.

Era domingo, eu havia acabado de acordar e estava na mesa da sala tomando o meu café da manhã. Leite, iogurte, aveia, pão preto e chocolate eram o que tinha sobre a mesa, um típico café da manhã dinamarquês de final de semana. Minha mãe hospedeira se aproximou, sentou ao meu lado com a listinha de lugares que eu e ela fizemos juntos dos lugares para eu visitar antes de meu intercâmbio acabar e, infelizmente, eu ter que voltar para o Brasil. Ela me disse que a família toda iria estar ocupada com outras tarefas durante o dia, e que desta vez eu deveria explorar a cidade sozinho. O castelo Rosenborg e o Jardim Botânico eram os meus destinos escolhidos, pois são próximos e, assim, daria tempo para visitá-los sem pressa. Levantei-me e fui me arrumar. Peguei a câmera, que eu já havia deixado pronta em cima da escrivaninha do meu quarto, a chave da minha bicicleta, e despedi-me dos meus pais que trabalhavam no escritório.

Fui até o bicicletário pegar minha bicicleta. Toda preta e montada com peças de outras bicicletas. Seu banco era duro, às vezes, desconfortável, mas ela era minha companheira fiel no ano em que morei em Copenhagen, uma cidade feita especialmente para ciclistas. Destravei-a, subi, e comecei a pedalar. São 7 quilômetros de Vanløse até o centro de Copenhagen. Coloquei meus fones de ouvido e a minha playlist dinamarquesa para tocar no Spotify. Era um dia quente de verão, coisa não muito comum nos países do norte do hemisfério norte. Fazia 25ºC e ao pedalar ao sol, um vento fresco batia no rosto. Eu podia sentir o ar puro passar pelos meus pulmões. Fiz o mesmo trajeto que eu normalmente fazia para ir para a escola, a paisagem já me era familiar, os antigos prédios, os grandes parques arborizados, as ciclovias cheias e as estradas vazias, trilhos do trem, pessoas caminhando tranquilamente pela cidade, tudo. Eu já estava acostumado. Eu já era – ou pelo menos me sentia – oficialmente um dinamarquês, depois de 10 meses no país dos vikings.

Depois de 25 minutos pedalando, eu chego ao castelo Rosenborg. Este foi construído, em 1606, quando o rei Christian IV governava. A família real residiu ali até aproximadamente 1710, mas, atualmente, os atuais membros residem em vários palácios distribuídos por Copenhagen, principalmente no palácio de Amalienborg. Hoje, Rosenborg é um museu, e em seu interior abriga todas as joias da coroa dinamarquesa. As três coroas, o cetro que simboliza a autoridade suprema, uma esfera, uma ampola, e a espada do Rei Cristiano III de 1551, entre muitos outros itens valiosos, preciosos e importantes historicamente para a história do Reino da Dinamarca, estão expostos ali. Desci da minha bicicleta, coloquei-a em um bicicletário e travei-a. Caminhei até o castelo. O jardim real que é aberto ao público, conhecido como Konges Have, estava cheio neste dia. Os dinamarqueses estavam aproveitando o dia ensolarado para beber com os amigos e praticar esportes ao ar livre. Eu aproveitei para tirar algumas fotos do parque, que estava incrivelmente lindo. Deitei-me sozinho na grama, fechei os meus olhos e continuei ouvindo a minha playlist e pensando em tudo o que eu vivera nos últimos meses.

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Eu não vi o tempo passar. O clima estava tão maravilhoso naquele dia: nem frio, nem calor, algo bem raro nos países nórdicos. Havia se passado quase uma hora desde que me deitei na grama. Levantei-me e fui até o castelo. A entrada é gratuita para estudantes, então, eu pude entrar direto e ir para as salas onde as joias e pertences da família real estavam expostos no primeiro andar. Eu nunca vi, em toda a minha vida, tanto ouro, prata e diamantes em um só lugar. Era impossível calcular quantos mil ou milhões de reais há dentro daquele castelo. É incrível pensar que aqueles itens são tão antigos, e como foram feitos tão perfeitos sem o uso das tecnologias da atualidade. Ao mesmo tempo era indignante ver quilos de ouro e diamantes trancados em caixas de vidro dentro de um castelo abandonado e saber que 2,2 bilhões de pessoas vivem em situação de pobreza no mundo. Neste caso, a importância histórica fala mais alto, e seria uma enorme perda para a história da humanidade caso estes tesouros fossem doados ou vendidos.

Após tirar várias fotos no primeiro andar do castelo, me dirigi ao segundo e terceiro andar, que continham as acomodações reais, perfeitamente como era quando a família real residia ali. Muito luxo e ostentação por todos os lados. Cada cômodo havia objetos de ouro ou prata presentes na decoração. As paredes e o teto eram uma obra de arte só. Pinturas incríveis cheias de pequenos detalhes e bem preservadas decoravam todas as salas do castelo. Paro em frente a uma janela no terceiro andar e, lá de cima, é possível observar as pessoas se divertindo no parque e alguns cisnes nadando no pequeno lago que rodeava o castelo. Eu me senti em um dos cenários de Game Of Thrones, embora eu não soubesse disso naquele momento. Parecia que eu realmente estava em um filme medieval ali dentro. Depois de ver e rever todas as salas, decido pegar minha bicicleta, ir até o final da rua e visitar o Jardim Botânico.

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Mais uma enorme área verde no centro da grande cidade. Assim como no jardim real, ali as pessoas estavam sentadas na grama, conversando, compartilhando lanches, bebendo, divertindo-se, literalmente, aproveitando o sol, já que o inverno é longo, frio e escuro. Durante o período do verão as pessoas aproveitam o quanto podem o sol, as temperaturas agradáveis e a oportunidade de ficar ao ar livre e em contato com a natureza. Ao caminhar pelo Jardim Botânico, sinto muitos aromas agradáveis. Doces, leves, fortes, intensos, exóticos. Todas as cores se faziam presentes em alguma flor ou outra. No centro do jardim, uma enorme estufa com estrutura de vidro. Ao me aproximar, vi que estava fechado e o acesso não estava permitido naquele dia, no entanto, eu aproveitei muito o meu tempo do lado de fora. Um sentimento precoce de nostalgia me tomou por inteiro. Saudades de algo que eu ainda estou vivenciando. Um sentimento que não consigo compreender nem controlar. Pego minha bicicleta com os olhos cheios de lágrimas. Baixo a cabeça e começo a pedalar de volta à Vanløse. Eu tinha um mês, antes que a minha aventura no país dos vikings acabasse, muitos lugares ainda seriam vistos, muitos laços criados, muitas despedidas, muitos risos e muitas lágrimas, tudo isso me aguardava no próximo mês. Seria um tornado de sentimentos que me devastaria por dentro. Mal sabia eu o que me aguardava.

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